Da MPB ao rock: Fernando Mascarenhas fala sobre o álbum Dizperto e muito mais

Fernando Mascarenhas é cantor, compositor e instrumentista. No início da década passada, integrou a extinta banda mineira de rock psicodélico Paquiderme Escarlate. Como artista solo, lançou um EP e dois singles. Atualmente ele promove “Dizperto”, álbum lançado no primeiro semestre do ano passado.

O trabalho é composto de quatorze faixas, cuja sonoridade transita da MPB ao rock. Nele é possível ouvir um pouquinho do som dos Beatles, Love, Beach Boys, da turma do Clube da Esquina, de Arnaldo Baptista e outras referências musicais das décadas de 60 e 70.

O Rotasongs conversou com o artista para conhecer melhor sua trajetória, detalhes sobre a composição e gravação de “Dizperto”, planos para 2022, dentre outros assuntos.

(Por Álvaro Silva)

Como foi seu contato inicial com a música?

Difícil lembrar com exatidão. Lembro de, muito novinho, aos 04 ou 05 anos, brincar com um violão de brinquedo e fingir que estava tocando. E foi meu brinquedo favorito por anos. Sempre ficava interessado e fascinado pelas trilhas sonoras de filmes, desenhos e jogos, durante toda minha infância e começo da adolescência. Aos 14 anos eu decidi aprender violão e nunca mais larguei, dormia com ele na cama e levava ele pros rolês. Ele me acompanhou durante toda a vida a partir daí, vivia com violão no bar no começo da vida adulta. Decidi que queria ter uma vida mais voltada para a música aos 16 anos, mesma época em que saíram minhas primeiras composições e que formei minha primeira banda. 

Quais são as suas referências sonoras?

Eu sou um compositor de canções. Compositores de canções tendem a trafegar por entre muitos estilos porque o mais importante é a mensagem somada à mágica da melodia para então transmitir um pouco da alma. Sempre me chamaram a atenção e me influenciaram artistas que nos dão um pedaço do coração deles. Nesse caso, eu cito Belchior, Milton Nascimento, Arnaldo Baptista, Rita Lee, John Lennon, Paul McCartney, Joan Baez, Brian Wilson, Bob Dylan, Ray Charles, Stevie Wonder, Aretha Franklin, Lô Borges, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Zé Ramalho e Mercedes Sosa. A lista é enorme e eu sou um aficionado por música, tenho referências fortes de várias épocas e estilos. Mas tendo a ter uma predileção pela música produzida no período da contracultura dos anos 60 e 70.

Geralmente o que te inspira a compor?

A montanha russa que é a vida. Estar vivo e contemplar o mundo é o que me inspira. Às vezes é a saudade que sinto de alguém, as vezes é uma declaração de amor, pode ser um conselho para alguém que passa por tempos difíceis, pode ser olhar o mar na praia e filosofar a respeito, pode ser minha família, pode ser vontade de celebrar, pode ser uma tragédia ambiental, um cachorro abandonado ou insatisfação política… mas mais do que tudo, minha pesquisa e meu intento musical tem a ver com o subconsciente, investigar a mente e com encarar os mistérios do mundo. Me identifico com o Keith Richards que uma vez disse que compor era como pescar. Você joga o anzol e fica esperando pescar algo. A metáfora é perfeita pra mim porque escolher um tema ou um ritmo e ficar lapidando e insistindo horas em uma ideia não é o que eu faço (e acho que nem o Keith). Eu tento pescar algo que de certa forma já exista e está só esperando que eu sintonize na frequência certa. Se não for fluido, se não for mágico de certa forma, eu logo descarto a ideia.

No primeiro semestre deste ano você lançou o álbum “Dizperto”. Como foi compor e gravar dentro do contexto da pandemia?

Foi complexo. Ele começou a ser gravado logo nos primeiros meses da pandemia, em 2020. Anteriormente eu já havia pré-produzido o álbum, estava prestes a entrar em estúdio, a ideia era chamar vários convidados. E então foi quando começou a pandemia. O disco ficou em suspenso por um tempo. O fim da pandemia não estava no horizonte e não dava pra envolver muitas pessoas. Decidi então gravar mesmo assim e foi montada a aparelhagem de estúdio aqui em minha casa, em Santa Tereza, em Belo Horizonte, onde moro. Para isso contei com Yuri Lopes, amigo de longa data que coproduziu o disco comigo. É um disco gravado em casa, mas com muito esmero. Usamos ótimos instrumentos e equipamentos, mesclando coisas modernas, como uma bateria eletrônica, com equipamentos antigos, como amplificadores valvulados. Decidi abraçar as dificuldades ao invés de tentar maquiá-las e isso se mostrou uma boa decisão porque pudemos fazer uma imersão de 25 dias seguidos arranjando e experimentando em home estúdio, para achar uma identidade. Acredito que a aura do disco ganhou mais uma camada, tendo sido registrado durante esse momento histórico da nossa civilização.

Capa de Dizperto (Foto: Dolores Orange).

Como foi produzir o próprio trabalho? Geralmente você pede opinião para alguém ou prefere seguir seus instintos?

Ao contrário do momento de compor, em que eu tento me imaginar como um veículo para manifestar a música e evito sempre o que não for fluido, em estúdio, na hora de decidir como vai ser o arranjo e a sonoridade de uma canção, eu gosto mesmo é de experimentar bastante e abusar dos recursos. O Yuri Lopes toca pelo menos um instrumento em cada música, muitos deles instrumentos atípicos que exemplificam bem essa experimentação como setar persa, banjo, bandolim e flautas. Depois de tantos dias imersos na produção, parece que a música soa de um jeito na nossa cabeça e o trabalho é descobrir como passar isso que tá na nossa imaginação para o plano físico das ondas sonoras. Foi muito positivo produzir esse trabalho. Dadas todas as limitações, acho que ficou o melhor possível e acredito que ele pode ter uma relevância duradoura. Sem dúvidas, foi bem recebido para além das minhas expectativas, o que confirma que fizemos um trabalho bacana. 

Ao todo “Dizperto” é formado por 14 faixas. Qual delas representa melhor seu atual momento como compositor?

Pergunta difícil de responder porque meu processo de composição é o mesmo há muito tempo e todas as músicas foram compostas dessa forma. Começa com um sentimento dentro de mim que não sei como expressar, pego um instrumento e vou improvisando e me divertindo, sem me preocupar com o resultado. Quando dá certo, eu me imagino como uma antena que captou uma canção que estava pairando no vento, sinto que aquela melodia e aqueles acordes têm uma certa magia e assim sei que compus algo interessante. O que vai mudando mais é meu trabalho como arranjador e como produtor. Tenho entre 09 e 12 músicas novas, pós-Dizperto. E para várias delas eu imagino uma estética diferente com orquestra, com naipe de metais. Algumas imagino com piano. 

Fiquei sabendo que você está preparando uma versão ao vivo do disco. Como andam os preparativos? Além das canções de “Dizperto”, você pretende incluir outras músicas de sua carreira ou material inédito?

Esse tem sido um dos motivos de grande alegria em minha vida. Porque foi um desdobramento natural. O disco foi gravado por mim e pelo Yuri em quarentena. O lançamento e todo o processo de promoção aconteceram enquanto a maioria das pessoas ainda estava em casa esperando a vacina. E agora no final do ano, tivemos essa oportunidade de orquestrar uma situação em que pudemos dizer perto, tocar perto, estar perto de algumas pessoas. Foi gravada, no último dia 10 de dezembro uma live session onde tocamos as 14 faixas de “Dizperto Ao Vivo em Estúdio”. Iríamos transmitir, mas achamos que o material rende um vídeo mais elaborado, assim poderemos mixar e masterizar o áudio com calma e ter uma qualidade superior de vídeo, já que usamos umas 04 ou 05 câmeras. Não acrescentei faixas à apresentação porque ainda é momento de promover o disco e queria prover a experiência para o público entrar naquele universo, escutando o disco na íntegra e na ordem. Ainda não temos uma data oficial, mas certamente será lançado no primeiro semestre de 2022.

Quem está te acompanhando nessa empreitada?

Um time incrível. Tenho a sorte e o privilégio de ser amigo de pessoas muito talentosas e competentes. O Yuri Lopes, coprodutor do álbum, é um músico fora de série, já dividimos o palco em diversas oportunidades e ele estava intimado a participar, caso viéssemos a executar o disco ao vivo. Ele toca guitarras de 12 e de 06 cordas. O Thiago Champs, já tocou bateria comigo no meu primeiro EP de 2015, “Ascensão e Queda “. Foi super natural chamá-lo, pois além da química musical, temos também admiração mútua e somos grandes amigos. Para completar o time e dar equilíbrio à química, chamei o Guilherme Dardanhan que fechou o time me dando a segurança de um sideman que não só toca as guitarras que eu toquei no disco, como também criou solos, riffs e complementa os timbres das guitarras de 06 e de 12 com o Yuri. Assim, fiquei livre para tocar baixo, que é o instrumento que mais gosto de tocar quando faço parte de uma banda. 

Tenho que agradecer ao Carlos Ziviani (Estúdio Monkey) que abriu as portas e forneceu toda a estrutura para fazermos o projeto acontecer. Também preciso agradecer à Emilly Almeida, que é minha namorada e fotógrafa pessoal, que participou da produção, da filmagem e fotografou o show.

Dizperto Ao Vivo (Foto: Emilly Almeida)

As apresentações presenciais voltaram a acontecer praticamente em todos os locais. Você já chegou a se apresentar ao vivo depois do longo período de restrições devido à pandemia? Como andam as expectativas nesse sentido?

Ainda não me apresentei. “Dizperto Ao Vivo em Estúdio” foi a coisa mais próxima que fiz, nesse período 2020-2021. Acho que estamos bem melhores hoje do que há um ano atrás mas ainda acho que precisamos ter cautela. Ainda mais no meu caso, que eu sou um artista emergente que tem muitas oportunidades não muito bem remuneradas e algumas poucas bem remuneradas. Além disso, como um artista solo, eu preciso pagar a minha banda. Então, a expectativa é que “Dizperto ao Vivo” mostre para o público e para os contratantes que temos um bom disco e um bom show. Faz parte dos planos tocarmos por aí e pegarmos a estrada desde que haja três coisas: gente Interessada, condições dignas de trabalho e respeito às diretrizes de segurança. 

Muitos artistas de mundialmente conhecidos têm se manifestado contra as políticas de remuneração propostas pelas plataformas de streaming. Casos recentes são as queixas de Paul McCartney, Ed O’Brien (Radiohead), Jimmy Page, Gary Numan e Mike Portnoy (ex-Dream Theater). Como é essa questão para o artista independente?

Artistas Independentes não tem uma renda relevante no orçamento que seja proveniente do streaming. De vez em quando, pinga um troco aqui e ali, mas para escalar uma monetização relevante, estamos falando de milhões de audições. Sempre seguramos a onda com shows, então dá pra imaginar como a cena independente foi impactada pela pandemia.

Na sua opinião, quais são as vantagens e as desvantagens proporcionadas pelas plataformas de streaming?

Essa é uma excelente discussão. Abordei o tema com algumas figuras interessantes da música independente, em lives que fiz com caras como o Marcelo Gross (ex-Cachorro Grande) e Giovanni Caruso (Escambau, ex-Faichecleres). Foi legal conversar com eles, confirmar minhas impressões e até mesmo criar uma narrativa sobre esse tema que faça sentido. O que eu acho é que música de graça na internet é um direito conquistado, isso é positivo, as pessoas merecem ter acesso à cultura gratuitamente. E isso permite com que surjam artistas de todos os jeitos, é algo que democratiza a produção. No entanto, a relação dos serviços de streaming com o artista precisa ser revista urgentemente. Não dá pra aceitar que ricos fiquem ainda mais ricaços as custas de público que tá lá por causa dos artistas que raramente ganham algo digno. E também acho que os artistas têm que batalhar para lançar discos físicos. A produção de vinil no Brasil e no mundo todo vem aumentando significativamente. Isso significa que tem uma parcela dos ouvintes que gosta de ter o disco. Temos que lembrar que existe vida fora do streaming e consumidores de vários perfis. Eu sempre vejo as pessoas falando de disco físico versus streaming, mas raramente as vejo falando de disco físico aliado ao streaming. Tá de graça pra geral e pra quem quiser ter uma qualidade analógica e um produto artístico, essas pessoas vão pagar e vão gerar renda pro músico. Eu sou considerado louco por muitos especialistas em indústria musical, mas eu realmente acredito que o futuro tá no vinil, aliado às plataformas digitais. O disco é um investimento com grande potencial de lucro a longo prazo e não necessariamente precisa ser terceirizado hoje em dia. A venda pode ser pela lojinha do artista. Não é fácil lançar uma tiragem em vinil, é algo caro. Mas é algo a ser almejado, na minha opinião. 

Sobre o quesito divulgação, quais são os maiores entraves para o artista independente? Existe no Brasil alguma cena organizada ou gravadora/selo que auxilia nesse sentido?

Os maiores entraves estão relacionados a se desvencilhar do ruído que a internet provoca. Todo mundo pode te ver e ouvir e simultaneamente também não querer te ver e te ouvir, porque afinal, você é só mais um. Aí a busca hoje em dia é por se destacar. O problema é que as redes sociais viraram um medidor bastante impreciso e pulverizado. É comum vermos pessoas que nunca ouvimos falar com meio milhão de seguidores. Tem gente que você considera um puta artista e às vezes ele tem só uns 30 mil seguidores. Hoje isso é um dos principais indicadores. Esse é o entrave. Como se destacar da manada? As pessoas apostam em cursos de rede social, de marketing digital e coisas do tipo. Eu sigo apostando em produzir não algo que fique bombado nas redes, mas algo que passe ao teste do tempo e que tenha uma relevância inerente pela qualidade artística e que extrapole o streaming e as redes sociais e faça parte da vida das pessoas. Não sei se estou certo ou se sou muito sonhador, mas para mim este é o único caminho.

Percebo algumas referências da música dos Beatles em suas composições. Você chegou a assistir ao documentário “The Beatles: Get Back”, dirigido pelo cineasta neozelandês Peter Jackson? O que você achou?

Assisti já duas vezes cada episódio do Get back. Sim, você acertou. Sou bastante beatlemaniaco, é uma das bandas que além da iniciação musical, também foi importante para a formação do meu caráter. Caramba, eu gostei muito. É um privilégio assistir a essas cenas com essa qualidade, quase 50 anos depois. Só isso pra mim já vale o filme. Vi gente criticando alguns pontos do filme, e, a maioria delas, entendo, sempre entendo quando penso pelo lado do fã de Beatles. Mas também consigo pensar pelo lado do diretor que tinha ali 60 horas atrás filmagem, e 120 de áudio. Ele fez uma escolha, escolheu mostrar a coisa como um evento em seu tempo, mostrando ali o calendário e o melhor de cada dia. E eu consigo apreciar essa escolha do diretor. Já tô é pensando em quando vou assistir a terceira.

Além do disco ao vivo, quais são os planos para 2022?

Os planos pra 2022 são: lançar o disco ao vivo, levar esse show ao máximo de lugares possíveis e iniciar a pré-produção do meu segundo disco.

Clique aqui para ouvir Dizperto.

Maiores informações no Instagram, Facebook e YouTube do artista.

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