Congado e rock: conheça o trabalho da banda mineira Congadar

Atualmente a banda prepara o lançamento do segundo disco de estúdio e divulga o videoclipe para “Chora N’Goma”, música que estará presente no trabalho

Num cenário musical marcado por repetições de fórmulas e pouca inventividade, a banda mineira Congadar apresenta uma lufada de ar fresco ao unir a sonoridade do rock ao Congado, manifestação cultural afro-brasileira que possui nas batidas vibrantes dos tambores um de seus elementos mais característicos.

Formada pelo trio de percussionistas e vocalistas Carlos Saúva, Filipe Eltão e Wesley Pelé, além de Giuliano Fernandes (guitarra), Igor Félix (guitarra), Marcão Avellar (contrabaixo) e Sérgio DT (bateria), a banda prepara o lançamento do segundo álbum de estúdio – Chora N’Goma. A produção ficou a cargo do guitarrista Giuliano Fernandes e de Barral Lima. O trabalho foi gravado em apenas duas semanas no Ultra Estúdios, localizado em Belo Horizonte.

Para conhecer melhor o trabalho desenvolvido pelo Congadar, o Rotasongs conversou com Saúva e Marcão. Eles falaram sobre as origens da banda, influências musicais, preconceito e falta de conhecimento sobre a cultura negra no Brasil, além de contar detalhes sobre “Chora N’Goma” – videoclipe e disco.

Por Álvaro Silva / Foto de capa: Lucas Soares

Como surgiu a ideia de misturar congado, rock e blues?

Marcão: Tudo começou com uma brincadeira entre mim e o Saúva, vocalista da banda. Eu tinha um grupo chamado Ganga Bruta, que tocava basicamente blues e rock. Faziam parte dele eu, Igor Félix na guitarra e Sérgio DT na bateria, além de participações esporádicas de Giuliano Fernandes na guitarra. O Saúva já tinha o Congadar, um grupo parafolclórico, de onde vieram ele, Filipe Eltão e Wesley Pelé, nas caixas e voz.

Um dia, antes de uma apresentação deles, eu brinquei com ele da gente juntar os dois trabalhos. Ele entrou na onda. Aproveitamos que iria acontecer a primeira virada cultural na nossa cidade e começamos a fazer uns ensaios. As coisas começaram a dar certo, a dar liga. Fizemos a apresentação no evento e a receptividade do público foi tão boa que decidimos continuar a história. Daí pra frente virou uma banda mesmo.

Se formos pensar, a origem tanto do blues, do rock e do congado é uma só. O blues, e por consequência o rock, nasceu nas plantações de algodão nos Estados Unidos. Da mesma forma, o Congado veio com os povos escravizados para as Minas Gerais. Então, a origem é toda da África.

Quais artistas inspiraram a sonoridade da banda?

Marcão: Acho que o primeiro nome que me vem à cabeça seria o Chico Science & Nação Zumbi. E, de fato, não tem como fugir disso. A questão de misturar um ritmo de tambores com o rock vem muito deles. Mas no meio desse caldeirão nosso, a gente vai mais além. Tudo que traz a cultura popular influenciou de alguma forma o nosso trabalho. A começar o trabalho do nosso amigo e Mestre Maurício Tizumba, o primeiro que nos apoiou e, inclusive, fez um show com a gente em 2015 na casa noturna A Autêntica, em Belo Horizonte. A propósito, ele nos cedeu música e gravou uma faixa com a gente neste disco novo que iremos lançar.

Em Minas, podemos incluir como referência uma banda dos anos 90, a Virna Lisi, que já tinha a intenção dessa mistura. O próprio Clube da Esquina está muito presente no nosso trabalho através das harmonias. Isso se dá porque o nosso guitarrista e produtor, Giuliano Fernandes, tocou por 10 anos na banda do Lô Borges, inclusive gravou discos. Ele conheceu de dentro toda a construção genial das harmonias e melodias.

Além dos que já foram citados, todo o movimento Manguebeat, nomes como o Cordel do Fogo Encantado, Mestre Ambrósio, muita coisa da Tropicália, do Movimento Armorial encabeçado pelo incrível Ariano Suassuna. E na literatura, não podemos deixar de citar o Guimarães Rosa, que descreve o nosso sertão de um modo universal.

Congadar. (Foto: Davi Mello)

Apesar do Brasil ser formado em sua maioria por pretos e pardos, o congado, uma expressão cultural e religiosa afro-brasileira bem antiga, ainda é desconhecido ou mal interpretado por uma parcela considerável da população. Por que a cultura preta é pouco valorizada e sofre tanto preconceito no Brasil?

Saúva: Não tem como jogar isso para debaixo do tapete. O Brasil é um país de cultura racista. Dados do Atlas da Violência indicam que 75% das vítimas de homicídio são pessoas negras, e a maioria jovens negros. E isso é fato! Então, se o poder público e parte da sociedade não se importam com a vida da população negra desse país, imagina o que se pensa sobre suas manifestações culturais? E isso aconteceu com o samba até meados dos anos 90, com a capoeira que chegou a ser proibida por lei até os anos de 1930, há menos de 100 anos!

Com o Congado não é diferente. Muita gente faz questão de rotular o Congado, assim como o candomblé e a umbanda, em um único rótulo denominado de macumba, a tratar tudo de uma forma pejorativa e carregada de preconceitos.

Muito da cultura afro-brasileira consegue sobreviver sem apoio públic,o à base de muita resistência dos nossos Mestres da Cultura Popular, que têm uma força incrível.

Nós queremos fazer o coro para valorizar essa cultura tão rica e tão importante para a formação cultural de um povo. O próprio Tizumba uma vez nos falou: “O Maracatu já conquistou o público, inclusive internacional. Agora é a nossa vez de trabalhar para fazer isso com o Congado”.

Vivemos num mundo repleto de preconceitos, desigualdades, ódio e intolerância. Qual é o papel da música como agente transformador dessa realidade?

Saúva: Acho que não só a música, mas a arte em geral tem um papel essencial para a transformação na vida das pessoas, e a arte é um direito perpétuo de todas as pessoas. Democratizar as artes é garantir as oportunidades de expressões de sentimentos. Para moradores de comunidades de baixa renda ainda não é oferecida plenamente essa arte. São sempre oportunizados projetos que tem início meio e fim, mas os programas culturais dentro das comunidades são oferecidos de maneira incompleta, tipo início e meio, sem o fim.

Se de um lado a arte consegue trazer uma outra perspectiva de vida para as pessoas, até mesmo profissional, de formação das pessoas em cidadãos mais conscientes e contestadores, por outro lado é um veículo de informação de realidades e outras perspectivas de visão.Tem uma música no primeiro disco do Rappa, “Brixton, Bronx ou Baixada”, que fala: “É só regar os lírios do gueto que o Beethoven negro vem pra se mostrar”. Faça um exercício e tente imaginar quantos artistas geniais podemos estar perdendo em meio a falta de oportunidades, incentivos e valorização. Se com poucas oportunidades de projetos sociais encontramos tanta gente boa que poderia despontar e, muitas vezes, não continuam por falta de oportunidade porque precisam conseguir um trabalho que paga mal para ajudar em casa. Imagina se eles pudessem continuar?

A banda lançou recentemente o videoclipe para a canção “Chora N’ goma”, faixa que estará presente no segundo álbum de estúdio da banda. Por que essa faixa foi escolhida? Como foi o processo de gravação do videoclipe?

Marcão: “Chora N’Goma” também será o nome de nosso segundo disco. Aliás, ela tem um significado grande em torno dele. A música traz a importância das caixas (nome dado aos tambores usados no congado) para os congadeiros, para quem é envolvido com o congado. É através da N’goma, ou seja, do couro, que eles manifestam a sua espiritualidade, a sua fé. É uma ligação muito bonita e muito forte.

A gente já tinha umas imagens feitas pouco antes a pandemia que fariam parte de um outro clipe, elas contam com a presença de alguns Mestres da Cultura Popular de Sete Lagoas. Para completar, iríamos fazer algumas imagens com a banda quando começou o isolamento social, mas adiamos as filmagens.

Quando começamos a programar o lançamento deste disco novo, pensamos em usar esse material para “Chora N’goma”, mas percebemos que a banda não aparece, de nenhuma forma, nos dois clipes oficiais da banda, que são “Senda do Tesouro” e “Batuque”, lançados na divulgação do primeiro disco. Então decidimos fazer esse clipe apenas com a banda tocando a música. Temos percebido que a força da banda está nos shows, no ao vivo. É a força da presença marcante das caixas de congado. Então optamos por mostrar isso no vídeo. E ali está literalmente o chora N’goma.

Videoclipe de “Chora N’Goma”.

Quais são as expectativas da banda para o lançamento do segundo álbum? Você poderia adiantar alguns detalhes sobre ele?

Saúva: Este disco tem um significado especial para a banda. O repertório dele foi todo construído em cima de tradicionais marchas de Congado, principalmente em Minas Gerais. Para isso, convocamos Mestres da Cultura Popular da nossa cidade, que são Capitães de Guarda, para nos indicar quais seriam essas marchas, quais eram as mais significativas. Eles foram os curadores desse disco. Com esse material enviado fizemos as 10 músicas que estão no disco.

A produção dele foi toda feita durante a pandemia, entre paradas quando a coisa apertava, e o retorno quando ficavam mais tranquilas. Para trabalharmos com um pouco de tranquilidade e segurança, fomos para um sítio próximo à cidade, onde poderíamos ficar isolados. Ao todo foram um mês e meio nesse trabalho. Depois fomos para o Ultra Estúdios em Belo Horizonte, que é do nosso selo, o Under Discos. Lá fizemos as gravações em praticamente duas semanas. O disco tem a produção do nosso guitarrista, Giuliano Fernandes e do Barral Lima, que acompanhou diretamente o trabalho.

A previsão de lançamento é para o dia 13 de maio, aquele dia que os livros de história marcam como o Dia da Abolição, resultado da luta de vários abolicionistas, mas que nunca nos contaram deles na escola. Houve várias revoltas, lutas e rebeliões por toda terra Brasil. Então, já era insustentável manter cativos os escravizados. Vamos celebrar a luta de cada abolicionista, em nossa memória, em nossas lutas atuais, de um povo que foi escravizado e depois largado à deriva, que além de resistir, agiu ao contrário do que nos contaram.

Além do novo disco, quais são os planos da banda para este ano?

Marcão: Além de lançar esse disco novo, queremos rodar e tocar muito. Lançamos o primeiro disco no final de 2019, pouco antes do início da pandemia. Em razão disso, não tivemos a oportunidade de tocar o disco para o público presencial. E isso é essencial para a banda.

Já estamos com shows agendados e queremos ampliar essas datas. Apresentaremos canções dos dois discos no show. Entretanto, a cabeça da gente não dá descanso e a inquietação já começou. Além de shows, devemos gravar mais um clipe de divulgação do disco novo e tem música própria nova aparecendo, com os primeiros rabiscos. Não duvido que este ano a gente vá começar a trabalhar em material novo.

Congadar. (Foto: Davi Mello)

Conheça mais sobre o trabalho da banda no Instagram, Facebook, YouTube e Spotify.

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