Músico também falou a respeito do mercado nacional de discos de vinil, do selo Limaia, novidades para 2022 e mais.
Formado por Julico (guitarra e voz), Gabriel Perninha (bateria) e Rafael Ramos (teclados e contrabaixo), o power trio The Baggios atualmente divulga o elogiado Tupã-Rá, quinto álbum gravado em estúdio pela banda. O trabalho conta com as participações especiais de Siba, Cátia de França e Chico César, apresentando uma sonoridade rica que bebe na fonte do rock psicodélico, afrobeat, blues, música latina, MPB e ritmos nordestinos de raiz.
A fim de conhecer melhor os pormenores do álbum, o Rotasongs conversou com Julico sobre o processo de gravação de Tupã-Rá, as inspirações e influências por trás das composições, o mercado brasileiro de discos de vinil, o selo/loja Limaia Discos e muito mais.
Por Álvaro Silva
Como foi o processo de gravação do disco? Vocês precisaram se valer do trabalho remoto ou conseguiram trabalhar presencialmente em estúdio?
Foi uma experiência bem diferente em relação a tudo que já fizemos. Nos álbuns anteriores, passávamos dias juntos no estúdio, com todo mundo envolvido na gravação. Foi assim nos últimos dois álbuns, em que ficamos uns quinze dias diretamente reunidos no estúdio Toca do Bandido.
Desta vez, em razão da pandemia, a pré-produção foi feita de maneira remota. As bases foram gravadas no meu home estúdio e foram enviadas aos outros músicos da banda.
Quando chegou o momento de gravar o álbum, fomos para um estúdio onde registramos a bateria e os metais. As vozes, teclados, contrabaixo e guitarra foram gravadas no meu estúdio mesmo. As participações especiais gravaram nas cidades onde eles moram.
Eu acho que todo esse processo acabou interferindo muito no que é apresentado no álbum. Tenho poucos equipamentos por aqui, mas eles foram suficientes para proporcionar a qualidade sonora almejada. Aliás, foi o segundo álbum que eu gravei aqui no meu home estúdio, o primeiro foi o Ikê Maré. Foi uma experiência muito gratificante.

A crítica social é um elemento presente nas letras da banda desde os primeiros trabalhos e se mantém em Tupã-Rá. Entretanto, há espaço para um olhar mais otimista em algumas letras (“Digaê!”, por exemplo) e um ar de bucolismo. Em linhas gerais, o que te inspirou a compor as letras?
Inicialmente, o Tupã-Rá não foi concebido para ser o terceiro álbum de uma trilogia, mas avaliando as obras anteriores (Vulcão e Brutown), percebi que se tratava do fechamento de um ciclo. Ele começa um pouco mais pesado, mais carregado, mas depois ele vai tomando um contorno mais leve e dançante, uma coisa solar mesmo. Acredito que essas características fazem parte da impermanência do ser humano, das idas e vindas, das montanhas russas de emoções que a pandemia e a vida proporcionam. Eu não queria mergulhar num pessimismo, pois todos estamos cansados do clima sombrio que nos rodeia no cotidiano. Contudo, o álbum não deixa de lado minha vontade de gritar, de expor minha visão crítica sobre a sociedade, pois isso está na minha obra e faz parte do cotidiano, afinal, estou sempre conversando com alguém sobre política e as perspectivas de tudo que envolve a arte em nossa peleja diária.
Fazer o álbum foi uma forma de superação e fortalecimento pessoal, pois lançar um disco nesse período complicado em que vivemos não é uma tarefa fácil, principalmente para fazer a divulgação, os shows etc. Contudo, eu vejo a música como um elemento muito importante para transformar a realidade das pessoas e salvar muita gente. Durante a pandemia, muitos discos receberam uma atenção importante. Muitas pessoas falaram pra mim sobre o AmarElo (álbum lançado pelo Emicida) e da importância que ele teve na vida delas. Acho isso tudo muito foda, sabe?
Tupã-Rã apresenta uma sonoridade mais diversificada que os trabalhos anteriores da banda, apresentando ao ouvinte um caleidoscópio de estilos musicais. Foi algo planejado durante o processo de composição ou foi algo natural, decorrente das influências da banda?
As misturas na sonoridade da banda são bem naturais porque a cada ano nós descobrimos novos sons. Gosto muito de pesquisar sobre música de todas as partes do mundo e acabo absorvendo um pouco de tudo que eu ouço. Analisando mais detalhadamente, percebo muitas afinidades entre culturas geograficamente distantes, não apenas com relação à cultura latina, que está mais próxima da gente, mas também com relação à cultura afro, né? O Brasil é um país afrodescendente que deve muito à cultura africana. Então, quando eu penso no sertão, penso no deserto, no afrobeat, no blues… Eu vejo conexão nessas paradas. Cada vez mais eu acho que a Baggios tenta amarrar esse triângulo representado pela África, Mississippi e sertão nordestino, é uma coisa que está aflorando na gente.
Nós valorizamos muito o experimentalismo porque é onde a gente consegue entortar as coisas e sair um pouco do lugar comum. A canção “Diga Aê”, por exemplo, representa muito esse espírito experimental. Foi uma faixa composta à distância: o Perninha tinha um groove de um estudo que ele estava fazendo, daí o Rafa colocou umas teclas e enviou pra mim. A partir disso, comecei a montar a música remotamente. Ela tomou forma muito “quebrada”. Talvez seja a faixa mais diferente que a gente já lançou.

O álbum traz as participações especiais de Chico César, Siba e Cátia de França. Como surgiram essas parcerias?
A Cátia de França é uma paixão antiga. Faz muito tempo que eu venho ouvindo a obra-prima dela (Vinte Palavras ao Redor do Sol). Fiz uma viagem para Barra Grande, lá na Bahia, e o disco da Cátia foi uma das trilhas sonoras desse passeio, então acabei me influenciando bastante. Apesar de admirá-la muito, já ter assistido a show, não conhecia ela pessoalmente. Conhecemos a Cátia por acaso quando participamos do Festival Psicodália, ela também estava lá e acabamos nos esbarrando por acaso.
A história com o Chico começou quando ele assistiu a um show que fizemos em São Paulo. Nós acabamos saindo para conversar e ele se dispôs a compor algo com a gente. Dados esses acontecimentos, acabei pensando que seria muito legal reunir o Chico e a Cátia numa mesma música, dois paraibanos, duas pessoas que nos influenciaram bastante.
No caso do Siba, nós já nos conhecíamos. Ele havia feito três shows com a gente, mas ainda não havíamos colaborado apesar da admiração antiga.
As participações foram muito importantes, pois são artistas que a gente idolatra. Todos eles trouxeram grandeza para as faixas em que eles participaram.
Em 2020, você inaugurou o selo Limaia Discos e lançou seu primeiro álbum solo (Ikê Maré) através dele. Como surgiu a ideia começar esse empreendimento?
O selo Limaia Discos foi criado porque eu queria muito lançar meu primeiro álbum solo (Ikê Maré) em vinil. Eu gosto pra caramba do formato, da magia e de todo o ritual que envolve a audição do disco. Acontece que eu tentei falar com alguns selos, mas estava tudo parado, o pessoal com receio de investir durante a pandemia, preocupado em se manter com as poucas vendas e pouco trabalho.
Diante desse cenário, acabei pegando minhas economias e resolvi investir sozinho no meu disco solo. Como eu queria colocar um selo no projeto, tive a ideia de criar o Limaia. Poderia ser apenas para utilizar no Ikê-Maré, mas também pensei que poderia ser o início de um novo projeto. Acabou que o selo virou uma loja, pois comecei a vender discos de outros selos nacionais e passei a importar diversos títulos, inclusive alguns que ninguém importa e outros que gostaria de indicar para as pessoas.
Já que não estavam rolando shows, aproveitei a oportunidade para gerar renda e me movimentar dentro de um universo que eu gosto pra caramba. Como meu disco deu certo (foram vendidas 300 cópias nos primeiros três meses, depois mais 100), ele acabou gerando um capital de giro interessante, daí consegui investir nas importações, a planejar o lançamento de novos títulos através do selo e a realizar parcerias.
Falando sobre novos projetos, vamos lançar o segundo disco da Mofo (banda psicodélica de Alagoas), que é fruto de uma parceria entre a Limaia e o selo paulista Psico BR e lançaremos em vinil a edição comemorativa de 10 anos do lançamento do primeiro disco da The Baggios. Esse projeto deveria ter sido lançado no ano passado, mas as fábricas entraram em colapso e não deram conta de atender a demanda.
Ainda não deu para engrenar muitos títulos, mas esperamos, se tudo der certo, lançar mais dois projetos este ano. Tudo vai depender de como vai estar o mercado. Tenho vontade de lançar muita coisa, porém tudo depende conseguir os recursos para fazer os investimentos. Por enquanto estou engatinhando e respeitando o momento.

Você pretende lançar outros artistas através do selo?
Pretendo lançar muita coisa ainda. Eu gosto muito de artistas brasileiros de vários estilos, como rap, reggae, rock, da música popular em geral. Tudo vai depender dos interesses convergirem e do produto apresentar uma foça para ser lançado dentro desse formato.
Estou muito a fim de aumentar o catálogo do selo. Inclusive, já existem algumas coisas encaminhadas.
A quantas anda o mercado de discos de vinil no Brasil?
O mercado de discos de vinil no Brasil está crescendo bastante. Durante a pandemia, a Baggios vendeu os últimos cem discos que estavam em estoque em uma semana. Antes, estávamos vendendo de forma pingada, tipo cinco ou dez cópias por mês.
Acho que pelo fato de as pessoas terem ficado mais em casa, elas passaram a consumir mais cultura, até mesmo como uma forma de apoiar os artistas que ficaram parados.
Em virtude da alta demanda, as fábricas brasileiras não estão conseguindo atender o mercado. Para se ter ideia, a Polysom parou de receber pedidos no ano passado e a Vinil Brasil, que é uma outra fábrica, está com uma demanda super alta. Com isso, os prazos de entrega aumentaram pra caramba, chegando a inviabilizar alguns projetos.
Vejo esse aquecimento do mercado de uma maneira superpositiva porque é um grande retorno, apesar de, na verdade, o vinil nunca ter ido embora. O lance do vinil é uma grande redescoberta para o público mais velho e uma descoberta para o pessoal da nova geração sob o aspecto de visualizar o álbum como uma obra, algo que tem uma coerência, que tem uma amarra, pois é uma experiência diferente de ouvir músicas em playlists e escutar trabalhos de artistas que vivem apenas de singles. Eu até ouço também, não tenho nada contra, mas não há nada como pegar um álbum e admirar o conceito por trás dele e toda a atmosfera que é criada. O vinil é um formato que valoriza essa experiência, aquela coisa do ritual de ouvir o lado A e o lado B como um todo.
Desde o final da década de 90, com o advento do mp3, a experiência de ouvir música vem se tornando cada vez mais fragmentada, sendo que o streaming acentuou ainda mais essa questão. Você, enquanto artista que gosta e produz canções em formato de álbum, fica frustrado quando as pessoas não ouvem o trabalho completo?
Eu acho que existe público para os dois lados. Logicamente, como artista e apaixonado por música, prefiro que as pessoas escutem o álbum na íntegra, pois acho que é uma experiência bem mais completa. Muitas vezes, ouvir uma faixa isoladamente não permite decifrar todos os detalhes que envolvem o conceito de um álbum. Acho que é como se fosse um livro ou um filme, não faz sentido pegar um livro e só ler algum dos capítulos aleatoriamente, trata-se de um fragmento muito pequeno de uma obra tão grande. Todavia, acho que isso é uma questão pessoal, isto é, cada um vai ter uma preferência sobre a forma de ouvir música.
De toda forma, é preciso também levar em conta a questão da divulgação, pois quando uma canção do disco viraliza, ela acaba servindo de atrativo para as pessoas ouvirem outras faixas, o álbum completo e outros trabalhos do artista.
A gente trabalha com muito carinho e dedicação, então acho que o que vier para amplificar a divulgação dos trabalhos é bem-vindo.
Além da divulgação de Tupã-Rá, quais são os planos da banda para 2022?
O Tupã-Rá ainda está no momento embrionário de divulgação. Ainda não fizemos apresentações tocando o material do álbum, mas iremos fazer um show provavelmente no final de março. Temos uma turnê europeia agendada para maio e junho, serão cerca de vinte e cinco shows distribuídos por cinco países. Também pretendemos fazer uma sessão ao vivo tocando o Tupã-Rá na íntegra com todos os elementos, lançar novos clipes etc. Provavelmente vou trabalhar no meu segundo álbum solo, pois já tenho muitas composições encaminhadas, mas ainda não entrei no estúdio para valer.
Estou aproveitando ao máximo esse momento para criar/compor e colocar as ideias pra fora. Trazer, de alguma forma, um sopro de esperança e de diversão para as pessoas porque música é um elemento que transforma o humor, gera reflexão, faz a pessoa dançar e extravasar. Trabalhar com isso é muito gratificante. Espero que as coisas consigam engrenar novamente para o setor cultural, que o ritmo de shows aumente e que eu possa lançar novos trabalhos com a Baggios e com o meu trabalho paralelo.
Clique aqui para ouvir Tupã-Rá.
Maiores informações no Instagram, Facebook e Youtube da The Baggios.
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