Tó Trips  – Muito além do fado: trilhas sonoras de filmes, punk, música africana e da américa do sul estão no cardápio do guitarrista português

A música portuguesa sempre teve uma certa dificuldade de aceitação no Brasil. Salvo raras exceções, como o Grupo Madredeus e, mais para trás, o cantor Roberto Leal (muito popular por aqui nas décadas de 70 e 80 – quem não se lembra de “Arrebita”, que serviu de paródia do Mamonas Assassinas?), considerado embaixador da cultura portuguesa no Brasil, os artistas lusitanos não aparecem com ênfase por aqui. Mas há muitos artistas, dos mais variados estilos, que poderiam estar nas playlists dos brasileiros, facilmente.

O mítico guitarrista português Tó Trips (54 anos) é um deles. Ele assina a trilha original do filme “Surdina” (direção de Rodrigo Areias e roteiro do escritor Valter Hugo Mãe) – que estreou no Brasil e está em cartaz na plataforma do Cine Sesc até o dia 12 de julho. É um músico com influências bem peculiares que lhe valeram um estilo bem característico (do rock ao fado, passando pelas trilhas sonoras dos Westerns, e a música da América do Sul e de África). Integrante do duo Dead Combo (com Pedro Gonçalves), passando pelas experiências solo dos recentes álbuns “Guitarra 66” e “Guitarra Makaka”, Tó Trips tem marcado presença nos mais inovadores e entusiasmantes projetos do imaginário alternativo de Portugal. Seu trabalho na trilha sonora de “Surdina” traz toda esta influência e a experiência de anos de estrada.

Entre seus shows e cine-concertos (ele está fazendo trilha sonora ao vivo durante a exibição do filme) e apresentações solo em Portugal, que diante do controle da pandemia voltou a abrir alguns espaços públicos, ele separou um tempinho para um bate-bola. Vamos conhecer um pouco de António Manuel Gonçalves, o Tó Trips.

Por Alexandre Aquino (imprensa.alexandreaquino@gmail.com)

Sua carreira como músico vem de longe. Mas quando você começou a fazer trilhas sonoras?

Eu comecei na música em 1985 com bandas punk, só comecei a fazer bandas sonoras com o Dead Combo já neste século. Um caminho não pensado, mas que aconteceu. (Nota: banda sonora é no me dado ao trabalho de trilha sonora em Portugal)

Como é o seu processo de trabalho nessas duas frentes, música autoral como artista e como compositor de trilha sonora?

Sim. Eu sou guitarrista, componho à guitarra, toco todos os dias e tenho sempre um arquivo de registro de ambientes e ideias, que por vezes aproveito ou não, consoante o conceito da banda sonora.

Para “Surdina”, que é um filme muito poético e tem a colaboração de um escritor (Valter Hugo Mãe) no roteiro, há fator que destacaria para a realização da trilha sonora?

Por acaso veio ter a ver com a minha música, é um filme entre a cidade e o campo, sobre a nostalgia e velhice, o que é a minha música normalmente, digo que é música para memórias.

Há uma assinatura do seu trabalho autoral com o Dead Combo e outros trabalhos. Acredito que você tenha sido chamado pelo Rodrigo Areias por conta disso.

Sim! Quando o Rodrigo me convidou, acho que pensou na minha identidade como músico, e isso espelha se na banda sonora, está lá o Tó Trips como guitarrista e como compositor.

O fator solidão, em especial, foi primordial para “sentir o filme” e ter o resultado esperado na trilha sonora?

A solidão é um estado que me é querido na circunstância de criação, embora goste imenso de bandas, e de criar com outros, mas essa liberdade de espirito que a solidão transporta é benéfica para mim. Preciso desse espaço, até para experimentar coisas que nunca iria experimentar com alguém.

Em Surdina você compôs música no piano pela primeira vez. Conte como e por que desta decisão.

Sempre associei o piano a alguém mais velho, mais sábio, mais maduro, mais nostálgico, mais intemporal, e como o filme trata da velhice, pareceu me adequado pelo momento.

Existiu algum papo sobre o filme com o Rodrigo e com o Valter para ajudar no seu processo?

Sim, o Rodrigo falou-me do filme antes do filme estar concluído, mas não falei com o Valter. Mas eu como sou um gado da imagem também, preciso de ver e sentir as coisas e precisei de ver uma versão off do filme para me intrusar na música que vejo nessas imagens.

Em se tratando se cinema, qual trabalho ou músico você pode dizer que está na sua predileção?

Gosto das bandas sonoras do grande Angelo Badalamenti, compositor ítalo-estadunidense, um clássico da música para cinema, do Warren Ellis, que trabalha com o Nick Cave, e das bandas sonoras do guitarrista do Radiohead, o Jonny Greenwood.

O Dead Combo veio com influências musicais como o Fado, o Rock, as trilhas sonoras dos Westerns, bem como música da América do Sul e de África. Estas são suas maiores influências?

Sim, é de onde eu venho e é esse o meu cunho pessoal. Ainda estão no meu pensamento, no meu inconsciente.

O fator pandemia fez um grande estrago no mundo todo. E no segmento do entretenimento artistas e equipes técnicas sofrem ainda com as incertezas deste momento. Como está a situação em Portugal hoje?

Hoje ainda estamos a apanhar os cacos, e ainda vai demorar a isto estar numa situação mais normal. Muita gente está numa situação terrível, infelizmente. Tenho esperança que isto não volte atrás. E que a normalidade volte o mais depressa possível.

Diferentemente dos hermanos da América do Sul, o Brasil carece de ouvir os artistas do continente. Há uma barreira para abrir o leque e absorver estas músicas que vêm das antigas colônias espanholas. E penso que acontece isto também quando se fala da música portuguesa, contemporânea ou mais antiga. Artistas como você, o Rui Carvalho, Buraka Som Sistema, Capitão Fausto, Terrakota, entre outros, com certeza poderiam estar nos headphones brasileiros. Para você, a que se deve isto?

Isso deve aos brasileiros não perceberem o “português” língua do continente, é uma das causas que todos os artistas portugueses falam quando vão ao Brasil, a outra é bastante óbvia:  o Brasil tem uma cultura fortíssima e única universal, por isso a maior parte das pessoas não se interessam por isso, por outros sons. E essas poucas pessoas que se interessarem do que vem de fora é sempre olhando para o eixo anglo-saxônico América/Inglaterra.

Pra terminar, quais artistas brasileiros você tem predileção?

Yamandu Costa, Sepultura, Chico Science, Cartola, Ratos do Porão, Garotos Podres, e muitos mais.

Escute Tó Trips:

Guitarra   66: https://open.spotify.com/album/2yKg7V2ub83NOBG7IET45V?highlight=spotify:track:1wGLti9jovPzJXOk0iDlzy

Dead Combo:

Guitarra Makaka  https://open.spotify.com/album/24CurDeEU8LhBeuDsmE4Ft?si=GYjJIqk2RPi-pO-Lfb0IvA&dl_branch=1

Surdina: https://spoti.fi/3mJWNEP

Assista “Surdina” em https://sesc.digital/colecao/cinema-em-casa-com-sesc


***Alexandre Aquino é carioca, torcedor do Fluminense e cinéfilo, é formado em jornalismo. Colaborou nas revistas Rock Press e Show Bizz como repórter na área musical. Paralelamente, participou, de eventos multimídia, seminários e produção de shows. Passou pelo Departamento de Artes da Funarte e prestou serviços de comunicação para a gravadora WEA. Faz roteiros para o setor audiovisual e atua como assessor de imprensa nas áreas de arte, cultura e educação.

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