Conheça a história do percussionista finlandês Sami Kontola

Músico completa uma década como ritmista da Verde e Rosa além de desenvolver diversos projetos de fomento aos ritmos afro-brasileiros

O polivalente músico finlandês Sami Kontola é baterista, percussionista, pesquisador musical, professor, jornalista e produtor. Reside na cidade do Rio de Janeiro desde 2007. Começou a se interessar pela música ainda criança nos anos 70, quando batucava nas panelas de sua avó. De lá pra cá não parou mais: tocou com bandas de jazz, produziu turnês de artistas nacionais e internacionais, desenvolveu vários projetos culturais como educador musical difundindo os ritmos afro-brasileiros e a cultura carnavalesca pela Finlândia e realizou trabalhos para embaixadas e Comitê Olímpico.

Atualmente faz parte da banda Mariana Zwarg Sexteto Universal, que lançou seu primeiro disco (“Nascentes”) em outubro do ano passado. Recentemente participou como músico e ajudou na produção do disco “Itiberê Zwarg e Universal Music Orchestra feat. Hermeto Pascoal”, que reúne a nata da música instrumental tupiniquim. Além disso, é o único integrante europeu da tradicional Bateria da Mangueira, desfilando pela agremiação desde 2011.

Durante o bate-papo ele falou sobre os primeiros contatos com a música brasileira, influências musicais, a primeira década como ritmista da Verde e Rosa, a experiência de trabalhar com Hermeto Pascoal e Maestro Itiberê Zwarg, dentre outros assuntos.

Por Álvaro Silva (rotasongs@gmail.com)

Como você conheceu a música brasileira?

Sami Kontola: No início dos anos 80, meu professor de bateria me mostrou um ritmo novo: era a bossa nova! A minha vida musical mudou naquele momento. Eu percebi que já amava música brasileira antes disso.

Depois de aprender um pouco de português, cheguei ao Brasil para aprofundar meu conhecimento na cultura e na música afro-brasileira.  

Sinto-me como “bossa nova sou eu”, uma mistura de música erudita, ritmos africanos e harmonia jazz norte-americano. Quando falo sobre a música, prefiro evitar conceitos como brasileiro, europeu ou norte-americano. Aprendi isso com o gênio místico Hermeto Pascoal, criador do conceito “Música Universal”: “A música é como o ar que respiramos. A música não tem nacionalidade”. Eu acho isso uma verdade verdadeira.

Quais são suas influências como instrumentista?

Sami Kontola: Isso é uma pergunta, que poderia criar material para vários livros (risos). Como baterista, posso citar alguns nomes como: Buddy Rich, Steve Gadd, Jeff Porcaro, Manu Katche, Tony Allen, Nicko McBrain, Chad Smith, Al Jackson, Jonathan Moffett, James Gadson, Steve Jordan, John JR Robinson, Grady Tate, Jimmy Cobb, Idris Muhammad, Steve Ferrone, Charlie Watts, Ringo Starr, John Bonham etc.

Sobre os bateras e percussionistas brasileiros, só cheguei conhecê-los depois. Os meus ídolos são, entre outros: Airto Moreira, Nenê, Márcio Bahia, Ajurinã Zwarg, Robertinho Silva, Tutty Moreno, Erivelton Silva, Rafael Barata, Mac Willian Caetano, Paulinho Braga, Paulinho da Costa e Naná Vasconcelos. É difícil me lembrar todos os nomes, pois são vários. A princípio, todos os músicos têm algo pra ensinar, incentivar e inspirar. Sou um aprendiz eterno. E muito feliz!

Falando do mundo do samba já vamos abrir outro universo. Eu sou eternamente grato a todos os mestres da G.R.E.S. Mangueira. Estou aprendendo a cada dia coisas novas com todos eles, com todos os ritmistas da Bateria Verde e Rosa, com todos os compositores, grandes mestres, poetas, filósofos tipo Cartola, Nelson Cavaquinho, Nelson Sargento e outros grandes deusinhos do amor. 

Como foi sua adaptação a cultura brasileira? Você encontrou alguma dificuldade?

Sami Kontola: Quando eu decidi experimentar uma vivência no Rio de Janeiro, lá no ano de 2007, eu estava morando num apartamento quitinete pequeneninho na Rua do Catete. Quando chegou a época de fazer a dedetização das baratas eu pensei que não precisava disso, mas depois de alguns dias, aprendi a conviver com umas duzentas baratinhas e descobri que “não sou tão bonzinho assim”. Mas nunca pensei em desistir ou voltar pra Finlândia. Já fui assaltado algumas vezes, perdendo bateria (quase carro também), computador, câmera de vídeo, celulares, óculos escuros, chaves etc. Isso faz parte eu acho. Neste mundo tão desigual, é inevitável que pessoas que não têm nada às vezes peguem coisas dos outros. Na verdade, pior é quando as pessoas que mais têm fazem a mesma coisa.

Mesmo com as coisas meio absurdas acontecendo no Brasil é a minha casa também. Eu sou um “gringo diferente”. Quem sabe sou brasileiro, só nasci nessa vida num lugar da neve e do gelo. O que eu amo no Brasil e no Rio é a possibilidade de “ser ninguém”, de “ser eu mesmo”. Se Deus Quiser vou conseguir continuar vivendo dessa maneira, independentemente de onde moro ou do que eu faça.

Em 2021 você completa 10 anos como integrante da Bateria da Mangueira, certo? Qual é a sensação de tocar em uma bateria tão prestigiada?

Sami Kontola: É uma honra e um prazer inexplicável. A experiência de participar das atividades, ensaios e sambas na Mangueira é a realização de um sonho.

Quando fui escolhido para participar na Bateria, lá no Carnaval de 2011, comecei a chorar logo no ensaio técnico. Entendi que a coisa maior é fazer parte da família. Pra mim os sambas aos sábados são que nem ir numa verdadeira igreja. Todo mundo é bem-vindo! O samba faz milagres urgentes e duradouros na vida das pessoas que frequentam, e, além disso, é um combustível de alegria.

Tocando na Bateria da Mangueira (Foto: Marc Regnier)

Como foi a receptividade do pessoal da Bateria? Você sentiu algum tipo de preconceito ou estranhamento no início?

Sami Kontola: Entrar numa bateria de qualquer escola de samba no grupo especial no Rio não é uma brincadeira. Tem que ter dedicação, persistência e vontade de trabalhar. E, além disso, tem que se sentir bem na família e aceitar todos e todas como membros da própria família, independentemente de qualquer coisa. 

Para qualquer pessoa que tem pretensões de entrar numa bateria de escola de samba é preciso trilhar o seu próprio caminho, é preciso conquistar o seu lugar. Desfilei na bateria da Mangueira por dez carnavais de 2011 a 2020, mas o que vai acontecer a partir de agora só Deus Sabe.

Os mestres, mesmo sendo pessoas nota 1000, como mestres não podem ser “amigos” dos ritmistas. Eles têm a responsabilidade de segurar a onda enorme nos ensaios e especialmente no desfile, onde qualquer coisa pode acontecer. É uma tarefa sem comparação.

Somos todos seres humanos, certo? É muito natural não gostarmos de todas as pessoas do Planeta Terra, aliás, nem precisamos gostar. O que aprendi na Mangueira e na capoeira também, é que o fundamental é o respeito. O samba tem os três érres como na capoeira: ritmo, ritual e respeito. Precisamos aprender dia-a-dia a conviver com os outros, pois vivemos no mesmo plano.

Em termos de aprendizado, qual foi a sua maior lição?

Sami Kontola: Não importa se uma pessoa já tocou no mundo inteiro com fulano X, Y e Z. O que é importante para a bateria, como os Mestres ensinam, é tocar para a bateria naquele momento. O que é fundamental é ter uma mente clara e tranquila. E sempre lembrar que “o aluno nunca sabe mais do que o professor”. Isso é um aprendizado filosófico, está relacionado ao respeito aos mais velhos e a reverência aos antepassados. Cada um de nós pode pensar o que significa isso na sua vida.

Recentemente você colaborou na produção do disco ”Itiberê Zwarg e Universal Music Orchestra feat. Hermeto Pascoal”, do baixista Itiberê Zwarg. Como foi a experiência de trabalhar junto desses dois gigantes da música instrumental brasileira?

Sami Kontola: Após participar por quatro anos na Oficina da Música Universal regida pelo Maestro Itiberê Zwarg, fui convidado como percussionista, tradutor e produtor executivo para o show da UMO Helsinki Jazz Orchestra, com a gravação do disco “Universal Music Orchestra” no ano de 2015. Desde então comecei a frequentar os shows dos grupos do Campeão Hermeto e do Maestro Itiberê.  Depois dessa experiência, convidamos o grande músico finlandês Manuel Dunkel (saxofonista) para fazer uma turnê no Brasil junto com Itiberê Zwarg e Grupo, foi quando recebi o convite da flautista e compositora Mariana Zwarg para integrar seu novo projeto, um sexteto internacional.

Ainda em 2005, quando fui ao camarim do Campeão Hermeto para cumprimentá-lo depois do show na Finlândia, nem imaginava que algum dia fosse gravar com ele. Já no Rio, também fui cumprimentar o Maestro Itiberê após um show do grupo dele, e ele me chamou de “irmão do som”. Fiquei emocionado com a música e com o carinho. E aí nasceu a vontade de aproximação, quando comecei a frequentar as suas oficinas. Acredito que nada importante acontece por acaso.

Participei no naipe de percussão algumas vezes em shows dessas duas bandas. É sempre uma experiência transformadora. Também já realizei entrevistas informais com o Campeão Hermeto, que estão disponíveis no meu canal do YouTube (ver aqui). Dá pra assisti-las mil vezes e sempre aprender alguma coisa nova.

Você faz parte do conjunto Mariana Zwarg Sexteto Universal, que conta com a participação de músicos de diferentes países (dois brasileiros, um finlandês, uma dinamarquesa, um alemão e um francês). Como é participar desse caldeirão sonoro de referências musicais?

Sami Kontola: Quando a Mariana me chamou no finalzinho de 2016 para tocar percussão e dar um “tempero brasileiro” no projeto dela, já me senti muito privilegiado e sortudo. No ano seguinte realizamos a nossa primeira turnê europeia e construímos uma “família musical” juntos com a Mette-Nadja Hansen (Dinamarca), o Pierre Chastel (França), o Johannes von Ballestrem (Alemanha) e com a base do Ricardo Sá Reston (Rio/São Paulo). Trabalhar e conviver com esses seres humanos é incrível! É uma alegria e aprendizado enorme. Nós nos fortalecemos mais a cada ano. Eu nem sabia que poderia fazer as coisas que faço hoje. E acredito que a mesma coisa acontece com os outros membros da família. Isso se chama evolução.

Realmente o nosso grupo tem várias influências. Além de serem super-musicistas da Música Universal, a Mariana e o Ricardo tocaram forró juntos há uns 20 anos. A Mette-Nadja tem suas raizes na música dinamarquesa e no jazz tradicional. O Johannes tem suas raízes alemãs e jazz também, ele tocou com o Kurt Rosenwinkel, além de outros artistas internacionais. O Pierre vem de Paris, o que já é um mundo musical próprio. Agora ele está estudando e trabalhando com canto lírico além dos guiguis de jazz. E eu tenho minhas raizes “super-finlandesas”, além das orquestras sinfônicas, coros, bandas de festas, rock, pop, músicas folclóricas e vários mergulhos nos mundos rítmicos afro-brasileiros. Faz uma sopa gostosa, não é?!

O Sexteto Universal. Foto Teemu Mattson

Além de músico, você também atua como produtor cultural. Você enxerga alguma saída para a crise enfrentada pelo setor em decorrência do caos proporcionado pela pandemia do coronavírus?

Sami Kontola: Quando paramos para pensar, percebemos que ninguém sabe o que realmente está acontecendo no mundo hoje. Na minha interpretação, os músicos e artistas em geral têm muito menos trabalho do que antes. Parece que está acontecendo algum tipo de mudança na forma como a sociedade está se construindo. Isso reflete em tudo e em todos. É uma coisa talvez inevitável, que faz parte da evolução do ser humano. Eu acredito que o necessário é manter a tranquilidade e se encontrar numa maneira nova, dentro de um mundo novo, como um cocriador ativo, consciente. Somos nós, os seres humanos que construímos as nossas coisas, as nossas culturas, as nossas estruturas.

Quais são os seus planos para 2021? Teremos algum projeto novo?

Sami Kontola: Fiquei super feliz em participar dos dois discos lançados no ano 2020. O nosso grupo Mariana Zwarg Sexteto Universal lançou o seu primeiro álbum “Nascentes”. Esse disco é super importante para mim, pois além de ter a participação fundamental do Campeão Hermeto e do Maestro Itiberê, é o primeiro produto internacional de um projeto vivo que eu participo. Se Deus quiser nós faremos ainda muita música juntos nos próximos cinquenta anos. Parece que o mundo está gostando do nosso som e quem sabe poderemos compartilhar momentos carinhosos com várias pessoas ainda durante este ano maravilhoso (risos) de 2021.

Também participei no disco “New Habitat”, lançado pelo grupo finlandês Gourmet. Trata-se de uma banda que mistura elementos folclóricos e world music com jazz avant-garde.

Eu acho que este ano será produtivo, incrível e gratificante. Darei um passo de cada vez, crescendo cada dia um pouco mais. Já estou produzindo e participando na turnê e nas oficinas da Mariana Zwarg aqui na Finlândia e acabei de entrar nas Oficinas de Música Universal Online do Maestro Itiberê. Estou também participando num projeto musical muito internacional (talvez até músicos/atores de 20 países) com a nossa banda finlandesa Tutu, que mistura elementos da música pop e da world music.

Como produtor cultural, tenho outros projetos encaminhados para este ano. O Super Samba Weekend que é um evento internacional de “educamento” (educação com entretenimento) no mundo do samba, iniciado em 2019. Existem também alguns projetos de intercâmbio musical de hip-hop com a Favela Funk Finlândia e nossos parceiros brasileiros.

Eu sou também arte-educador e trabalho como professor de bateria e percussão desde os anos 90. Há 15 anos ofereço oficinas dos ritmos afro-brasileiros para todas as idades e níveis aqui na Finlândia. Para este primeiro semestre já temos confirmadas oficinas em abril e maio. É um projeto que conta com o apoio da Contemporânea Instrumentos desde 2015.

Graças a Deus, posso dizer que o ano de 2021 começou bem. Sou muito grato por tudo na minha vida. Tudo o que é importante faz parte de um roteiro maior. Estou muito feliz por compartilhar algumas coisas do “meu mundinho musical”. Desejo muito sucesso para todos nós!

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