
Por Álvaro Silva (rotasongs@gmail.com)
Devido à catástrofe sanitária e econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus, 2020 entrará para a história da humanidade como um período nefasto – verdadeiro annus horribilis.
Um dos setores mais afetados foi o cultural. Em muitos casos, artistas e demais trabalhadores que fazem a roda do entretenimento girar ficaram impossibilitados de exercer seu mister ou tiveram que se adaptar a novos formatos que muitas vezes não oferecem remuneração adequada. Além disso, nos despedimos de ícones da música como Eddie Van Halen, Aldir Blanc, Neil Peart, Tony Allen, Little Richard, Martin Birch, Peter Green, Leslie West, Ken Hensley, Lee Kerslake, Ennio Morricone, John Prine, Toots Hibert, só para citar alguns.
Apesar dos momentos tristes, 2020 foi um ano em que a criatividade esteve em alta. Excelentes álbuns foram lançados por artistas de variados gêneros musicais, tanto por parte dos veteranos quanto pela turma de novatos. Por esse motivo, fazer uma lista curta foi uma tarefa desafiadora e repleta de dúvidas positivas.
Apenas para constar, a lista apresentada não segue uma ordem específica de ranqueamento.
Enfim, chega de blá-blá-blá. Eis a lista:
Joe Bonamassa – “Royal Tea”

Gravado em Londres, no lendário estúdio de Abbey Road, o disco conta novamente com a produção de Kevin Shirley (Iron Maiden, Rush, Dream Theater etc.) e escancara a paixão de Bonamassa pelo blues rock britânico de grupos como Peter Green’s Fleetwood Mac, Cream, Humble Pie, Jeff Beck Group, Free e Led Zeppelin. Um prato cheio para quem curte solos de guitarra tocados com paixão, timbres clássicos e virtuosismo sem malabarismos inconsequentes.
Destaques: “When One Door Opens”, “Why It Take So Long To Say Goodbye” e “Beyond The Silence”.
Gregory Porter – “All Rise”

Em seu sexto álbum de estúdio, o cantor e compositor americano Gregory Porter coloca seu belo vozeirão de barítono a serviço de composições refinadas que transitam pelo jazz, soul e pop. É possível ouvir as influências de Marvin Gaye, Donny Hathaway, Al Green e Nat King Cole em várias canções, mas tudo é feito com muita classe e personalidade. Afinal de contas, ele aprendeu a lição com bons mestres. Em “All Rise” Porter reafirma sua posição como um dos maiores nomes do soul e R&B contemporâneo.
Destaques: “Revival Song”, “Merchants of Paradise” e “Real Thruth”.
Paul McCartney – “McCartney III”

Aproveitando o hiato proporcionado pela pandemia da COVD-19, Sir. Paul McCartney começou a trabalhar em alguns fragmentos de canções antigas que estavam guardadas em seu baú. As sessões foram produtivas e surgiram novas canções que acabaram por gerar o intimista “McCartney III” – integralmente tocado, composto e produzido pelo ex-beatle em seu estúdio domiciliar. Ao todo são onze faixas, muitas com ar bucólico, repletas de camadas de violões, guitarras com efeito fuzz e piano.
Destaques: “Deep Deep Feeling”, “Deep Down” e “Winter Bird/When Winter Comes”.
Deep Purple – “Whoosh!”

Em mais uma parceria com o lendário produtor Bob Ezrin (Pink Floyd, Alice Cooper, Kiss e outros), a veterana banda inglesa de hard rock nos brinda com um disco que passa longe da monotonia que muitas vezes marca o estilo. As canções são instrumentalmente intrigantes e as letras do vocalista Ian Gillan soam poeticamente atuais. Assim como nos dois últimos discos, o tecladista Don Airey assume o protagonismo proporcionando à banda um som mais progressivo e viajante.
Destaques: “Throw My Bones”, “Nothing at All” e “Man Alive”.
Jeff Tweedy – “Love Is The King”

O líder da banda Wilco retoma o trabalho solo lançando um belo disco de folk/country rock. Trata-se de um registro com canções pessoais e emotivas que refletem sobre as experiências do artista com relação aos fatos cotidianos da América atual, tudo costurado pela voz calma e pelo violão de Tweedy, acompanhado pelos filhos Spencer (vários instrumentos) e Sammy (vocais de apoio). Uma terapia em forma de música.
Destaques: “Opaline”, “Gwendolyn” e “Half-Asleep”.
AC/DC – “Power Up”

Após inúmeras dificuldades que poderiam ter dado termo à banda – morte do guitarrista Malcolm Young, deficiência auditiva do vocalista Brian Johnson, aposentadoria e doença não revelada do baixista Cliff Williams, prisão e problemas com drogas do baterista Phil Rudd – o AC/DC ressurge com um grande disco de inéditas sob a batuta exclusiva do guitarrista Angus Young. A receita é a mesma de sempre e não decepciona os fãs: estão presentes os riffs simples, os solos de guitarra afiados e os refrãos grudentos. It’s only rock’n’roll and we like it.
Destaques: “Realize”, “Shot In the Dark e “Through The Mists Of Time”.
Betty LaVette – “Blackbirds”

Além de possuir uma voz privilegiada, a cantora americana Betty LaVette faz parte daquele seleto grupo de intérpretes que se apropriam das canções alheias que gravam, tamanha a intensidade e emoção que insere em suas performances. Só para exemplificar, aqui ela se “apropria” das clássicas “Blackbird” dos Beatles, “Strange Fruit” – composição de Lewis Allan eternizada por Billie Holliday e “Drinking Again” de Johnny Mercer e Doris Tauber, gravada preteritamente por artistas como Frank Sinatra, Aretha Franklin e Dinah Washington. Uma aula de soul.
Destaques: “I Hold No Grudge”, “Save Your Love For Me” e “Blackbird”.
Bruce Springsteen – “Letter to You”

Após pouco mais de um ano do lançamento do elogiado “Western Stars”, Bruce Springsteen retorna com mais um trabalho de inéditas acompanhado pelos camaradas da “E Street Band” (que não gravavam com o músico desde “Working on a Dream”, lançado em 2009). Ao todo são doze faixas que discorrem sobre maturidade, perda de pessoas queridas e nostalgia. Um álbum intenso, digno de figurar entre os melhores trabalhos registrados por Springsteen ao longo de sua rica e longeva carreira.
Destaques: “Letter to You”, “Jane Needs a Shooter” e “House of a Thousand Guitars”.
Jason Isbell and the 400 Unit – “Reunions”

Aclamado pela crítica especializada, “Reunions” é o sétimo trabalho em estúdio do talentoso guitarrista Jason Isbell (ex-Drive By Truckers) e condensa com solidez todas as influências que o músico traz em sua bagagem musical (country rock, southern rock, blues, soul, pop e indie rock). As letras são interessantes, os solos de guitarra “classudos” e a produção esmerada. Fossem outros tempos, como naqueles em que os álbuns possuíam maior relevância na vida das pessoas, facilmente seria um clássico. Enfim, um disco para não ser esquecido no fundo da prateleira ou perdido nas listas de streaming.
Destaques: “What’ve I Done to Help”, “Overseas” e “Letting You Go”.
Ronnie Earl & The Broadcasters – “Rise Up”

Pouco conhecido pelo público brasileiro, o guitarrista americano de blues Ronnie Earl possui uma discografia extensa, marcada pela regularidade em termos de qualidade (sempre em alto nível). Em “Rise Up”, o bluesman extrai timbres cristalinos e suaves de sua velha Stratocaster, oferecendo momentos inspirados de arrepiar a espinha. Apreciadores do blues não podem deixar esse disco passar batido.
Destaques: “All Your Love”, “Lord Protect My Child” e “Talking to Mr. Bromberg”
Menções honrosas a outros grandes lançamentos de 2020:
Kansas – “The Absense of Presence”,
Blue Öyster Cult – “The Symbol Remains”,
Bill Laswell – “Against the Empire”,
Chris Stapleton – “Starting Over”,
Cowboy Junkies – “Ghosts”,
Datura4 – “West Coast Highway”,
David Knopfler – “Last Train Leaving”,
Drive By Truckers – “The Unraveling”,
Elvin Bishop & Charlie Musselwhite – “100 Years of Blues”,
Lucifer – “Lucifer III”,
Lucinda Williams “Good Souls Better Angels”,
Paul Weller – “On Sunset”,
The Jayhawks – “XOXO”,
The Soul Motivators – “Do the Damn Thing”,
Thorbjørn Risager & The Black Tornado – “Come On In”,
Tony Allen & Hugh Masekela – “Rejoice”
Wire – “Mind Hive”
Sepultura – “Quadra”
Nuno Mindelis – “Angola Blues”
Quais são os seus favoritos? Conte pra gente nos comentários. Estamos curiosos.